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domingo, 6 de maio de 2012

* Aprendendo Ecologia após a tempestade

No cinturão verde que constitui a dispensa da cidade do Rio de Janeiro, pequenas produtoras agrícolas aprendem práticas ecológicas na medida em que o campo é castigado pelos impactos das alterações climáticas. Na região serrana do Estado do Rio de Janeiro são muitas as mulheres que sobrevivem da pequena agricultura e que, em janeiro de 2011, viram como os vendavais provocaram inundações e deslizamentos que arrasaram praticamente com toda a produção de hortaliças e legumes da área.
Os produtores já conseguiram normalizar a atividade e o fazem com uma preocupação maior quanto a uma agricultura menos invasiva e melhor adaptação à nova realidade que entra em suas vidas: a mudança climática, disse à IPS uma delas, Rosana Nogueira, de 38 anos, que dirige uma pequena produção familiar. Os 24 hectares ficam na área de Lúcios, onde vivem cerca de 400 famílias dentro da bacia do Rio Formiga, no distrito rural de Bonsucesso, perto da cidade de Teresópolis, uma das regiões mais afetadas pelas tempestades do ano passado, que deixaram 916 mortos no Estado.

Rosana e sua mãe, Jandira, de 68 anos, são um exemplo de agricultura de baixo impacto ambiental com proteção da vegetação das margens fluviais e limitada erosão do solo, em um manejo que começa a ajudar a mitigar os efeitos da mudança climática na região.

Rebecca Tavares, diretora regional da ONU Mulheres para o Brasil e o Cone Sul, afirmou à IPS que no país, como ocorre em termos globais, as mulheres rurais "apresentam contribuições vitais para o bem-estar de suas famílias, comunidades e para a economia local e nacional". Além disso, diante do fenômeno da mudança climática, elas "têm um papel prioritário na gestão ambiental, na produção de alimentos e na reprodução social", acrescentou.

Os agricultores da bacia do Formiga notam ano a ano o aquecimento global. Os verões se prolongam, suas temperaturas aumentam, as tempestades crescem em número e intensidade, enquanto, por outro lado, os invernos são ainda mais secos. Tudo isso tem impacto nos ciclos produtivos e no calendário tradicional de semear e colher.

"Não estávamos acostumados a desastres ambientais como o do ano passado. Vivo nesta propriedade desde que nasci, meu pai está aqui há 73 anos e nunca viu nada igual, nem meu avô lhe contou algo semelhante", enfatizou Rosana Nogueira, recordando que no ano passado sua família esteve isolada por 15 dias e passou um mês sem eletricidade. A produção se recuperou no segundo semestre e nos agricultores nasceu uma nova consciência, ainda insuficiente, para atender os aspectos ambientais de sua atividade.

"Muitos ainda invadem a floresta para expandir a produção, quando ela é uma defesa para o clima, mas outros começam a entender", contou Rosana enquanto percorria sua terra com a IPS, na qual as novas estufas de cultivo, a encosta plantada e o incipiente reflorestamento da margem do rio são uma resposta ao desastre. Em outro ponto em que está mudando a mentalidade camponesa é quanto aos pesticidas. "Acreditávamos que para produzir mais era preciso usar muito agrotóxico, e o próprio produtor se intoxicava quando utilizava o veneno. Agora o produtor já quer se ver livre dessas substâncias", afirmou Rosana.

Ela não tem os dados, mas percebe que na região há cada vez mais produtoras, responsáveis por pequenas e médias produções. Algumas vezes estão sozinhas, em outras os maridos as acompanham, mas têm trabalho assalariado nas cidades vizinhas. Inclusive quando há um agricultor à frente da produção, quase sempre sua mulher trabalha junto, explicou Rosana.

"Cuidamos mais dos detalhes produtivos, somos mais organizadas. Temos maior preocupação com o meio ambiente e somos mais firmes em preservá-lo e incorporá-lo aos cultivos", opinou Rosana, que vive na propriedade com o pai, seu marido e seu filho de 12 anos, e esta grávida de seis meses. Todos trabalham com ela. "A mulher tem maior visão do que o homem para o futuro de sua família e somos mais abertas para as novidades e o caminho para a agricultura no campo é de maior sustentabilidade", continuou, toda convencida.

O desastre climático de 2011 representou perda de US$ 12 mil para a exploração familiar, cerca de 30% da área de cultivo foi danificada e 90% da colheita acabou perdida. A família Nogueira produz variadas hortaliças e alguns cítricos, e teve que usar suas economias para reconstruir as estufas e recuperar os solos. Além disso, Rosana conseguiu US$ 8 mil não reembolsáveis do Programa Rio Rural, da Secretaria de Agricultura do Estado.

O programa administra um fundo de US$ 79 milhões, concedido pelo Banco Mundial em 2009, para promover práticas de desenvolvimento sustentável na zona rural do Estado, com enfoque especial nas mulheres produtoras. "Elas são estratégicas para a sustentabilidade da família e das unidades produtivas, e são as mais preocupadas com a segurança alimentar", explicou à IPS a coordenadora técnica do Rio Rural, Helga Hissa. As mulheres rurais também atuam com promotoras da conscientização ecológica em seu entorno, destacou.

"Elas conduzem a família para práticas como as hortas ecológicas e introduzem espécies nativas que depois constituem uma pequena floresta em sua unidade produtiva", apontou Hissa. O programa inclui as bacias hidrográficas de 59 municípios, onde vivem cerca de 37 mil famílias camponesas. São aproximadamente 150 mil pessoas, que representam 30% da população rural do Estado e têm como cidade de referência Teresópolis, a cem quilômetros do Rio de Janeiro.

Hissa reconhece que o desastre do ano passado sensibilizou muito a população da área sobre a mudança climática, dentro de um processo em que "a mulher tem um papel articulador, porque é empreendedora e está mais aberta a incorporar novas práticas". Rosana contou que "não sabíamos como recuperar a terra depois da inundação, o solo estava deteriorado. Dentro do programa, fizemos um curso de recuperação verde. Nos ensinaram a plantar aveia para recuperar o solo, bem como plantar em curva de nível na terra. Também aprendi a fazer horta ecológica e plantar os alimentos para nossa subsistência sem usar agrotóxico".

Os quatro adultos conseguiram juntos recuperar a vegetação das margens do rio e reflorestar 10% da propriedade, o dobro do que obriga a lei para pequenas propriedades. "Antes, tínhamos árvores de 40 anos na margem do rio. As árvores sustentam o solo e mantêm o curso do rio e ajudam com a temperatura", explicou Jandira Nogueira. "O que falta para muitos produtores é informação sobre o que acontece com o clima. Se não soubermos, continuaremos sofrendo tragédias como a do ano passado", ressaltou.

FONTE

Envolverde - IPS
Fabíola Ortiz da IPS

* Para juntar economia e ética, sociedade e natureza

O fantasioso não é a necessidade de mudanças profundas na organização social contemporânea e sim a ilusão de que se pode persistir na maneira habitual de fazer as coisas, o chamado “business as usual”.
Essa é uma das premissas básicas do recém-publicado relatório que as Nações Unidas encomendaram aos mais importantes nomes da economia ecológica mundial. Alguns de seus autores, como Tim Jackson ] e Peter Victor, estarão no Brasil por ocasião da Rio+20, participando do Encontro da Sociedade Internacional de Economia Ecológica, do Fórum de Empreendedorismo Social e dos Diálogos Sustentáveis.
A mensagem básica de seus trabalhos, contrariamente ao que frequentemente se divulga, de forma equivocada, não é avessa ao crescimento econômico: trata-se, sim, de subordinar o crescimento tanto à satisfação de reais necessidades humanas como aos limites dos ecossistemas. Essa subordinação tem o potencial de produzir mais e não menos bem-estar que o oferecido pelo padrão atual de uso dos recursos, cuja inviabilidade o texto coloca em destaque. O título do relatório já é um verdadeiro programa de trabalho: “Construir uma economia-na-sociedade-na-natureza, que seja sustentável e desejável”. Vale a pena destrinchar essa estranha consigna.
A ordem das palavras entre os traços de união é fundamental: longe de ser uma esfera autônoma da vida social, regida por leis próprias e que funcionaria tanto melhor quanto menos recebesse interferências externas, a economia está imersa, mergulhada, embebida na sociedade.
É bem verdade que os atores econômicos são movidos pela obtenção de ganhos individuais. Mas reconhecer sua inserção significa admitir a possibilidade de que a cultura, as pressões, os movimentos e as reivindicações sociais se exprimam na vida econômica por meios que vão muito além daquilo que os preços são capazes de dizer.
Mais que isso: significa que as iniciativas econômicas não são produtos emergentes de forças descentralizadas, mas, ao contrário, respondem a interesses e a concepções que se transformam ao longo do tempo, para o bem e para o mal.
Essa é a raiz social da mais importante aspiração das sociedades contemporâneas que é a reincorporação da ética no coração da gestão econômica. Esse só não será um voto piedoso e inconsequente caso se admita a possibilidade de que a sociedade civil seja capaz de falar não apenas por meio de processos eleitorais ou de suas organizações próprias, mas também interferindo nas empresas e nos mercados. A economia está na sociedade (primeiro traço de união) exatamente pelo fato de a sociedade se exprimir o tempo todo no interior da economia.
Mas, contrariando o que reza a história das ciências sociais desde o séc. 18, a sociedade não pode ser analisada, ela mesma, de maneira autônoma. A reprodução social apoia-se na energia que o Planeta recebe do Sol e naquilo que a espécie humana extrai da superfície da Terra. Da mesma forma, ela depende dos inúmeros detritos que as sociedades produzem, sob a forma de lixo, poluição, emissões de gases de efeito estufa e erosão da biodiversidade.
O estudo da vida social supõe, é claro, o conhecimento das instituições, das desigualdades, da cultura, mas seu ponto de partida só pode ser a relação metabólica estabelecida entre a espécie humana e os recursos energéticos, materiais e bióticos em que ela se fundamenta.
Em 1960, quando o mundo tinha 3 bilhões de habitantes, esta questão não existia para as ciências sociais, nem para as empresas ou os governos. Tudo se passava como se a elevação da produtividade do capital e do trabalho fosse a condição necessária e suficiente para ampliar a riqueza social.
Hoje não: num mundo com 7 bilhões de habitantes e que ruma para 10 bilhões, não há maior desafio social que o de tornar compatível a satisfação das necessidades humanas com as fronteiras ecossistêmicas, algumas das quais já perigosamente ultrapassadas.
A economia verde (a mudança na matriz energética mundial, a ecoeficiência e a exploração sustentável da biodiversidade) é apenas uma das bases dessa compatibilização.
Mas as informações produzidas desde o início de 2011 para a Rio+20, por relatórios da ONU e por estudos das grandes consultorias globais, convergem numa constatação básica: por mais que continuem avançando as transformações tecnológicas em direção a produção mais limpa, elas não serão suficientes para impedir que o atual ritmo de crescimento econômico mundial comprometa a manutenção e a regeneração dos ecossistemas.
A ideia de que, onde houver escassez de energia e materiais, os mercados sinalizarão aos empresários as mudanças necessárias para que a oferta de bens e serviços permaneça, só pode ser encarada como um mito: o mito do crescimento econômico perpétuo.
E é por isso que o título do documento reivindica que esta economia-na-sociedade-na-natureza seja sustentável, mas que também seja desejável.
O desejável corresponde exatamente à urgente inserção de considerações de natureza ética no interior das decisões econômicas. Não se trata de colocar em funcionamento um sistema mecânico que apenas propicia aumento do emprego, da arrecadação de impostos e traz algum tipo de inovação, por mais importantes que seja garantir o trabalho remunerado, a saúde das contas públicas e a pesquisa em torno de novos produtos e processos. A palavra desejável traduz o fato de que será cada vez mais importante entrar no mérito da real utilidade social daquilo que a economia oferece às sociedades humanas. Para que, por exemplo, mais mil carros por dia em São Paulo, se o trânsito está cada vez pior?
Num mundo relativamente vazio, essa questão não se colocava. Diante da doença que marca o metabolismo social contemporâneo e da profunda desigualdade no uso dos recursos, a questão central da gestão econômica não consiste apenas em saber como se produz (com maior ou menor ecoeficiência).
Para empresários, consumidores, governos e organizações civis, o mais importante hoje é saber para quê e para quem se oferecem os bens e os serviços que compõem a riqueza social. Trata-se de discernir se o aumento da riqueza responde à lógica autônoma de um sistema que não sabe fazer outra coisa senão crescer, ou se ele traz real prosperidade e melhoria para a vida das pessoas.
Essa questão não está na pauta do que os governos vão discutir na Rio+20. Mas é fundamental que organizações da sociedade civil, governos e empresas sejam capazes de enfrentá-la.
* Ricardo Abravomay, professor titular da FEA e do IRI/USP, pesquisador do CNPq e da Fapesp, é autor de “Muito Além da Economia Verde”, a ser lançado na Rio+20 pela ed. Planeta Sustentável.
** Publicado originalmente no site Prêmio Empreendedor Social/ Folha de S.Paulo.
(Prêmio Empreendedor Social/ Folha de S.Paulo)